A Política de Aristóteles
por Rodrigo Santos S. Magalhães
Citação:
"A sociedade constituída
por diversos pequenos burgos forma uma cidade completa, com todos os meios de
se abastecer por si, e tendo atingido, por assim dizer, o fim que se propôs.
Nascida principalmente da necessidade de viver, ela subsiste para uma vida
feliz. Eis porque toda cidade se integra na natureza, pois foi a própria
natureza que formou as primeiras sociedades; e a natureza é o verdadeiro fim de
todas as coisas. Dizemos, pois, dos diferentes seres, que eles se acham
integrados na natureza, quando tenham atingido todo o desenvolvimento que lhes
é peculiar. Além disso, o fim para o qual cada ser foi criado, é o ideal de
todo indivíduo, e o que de melhor pode existir para ele.
É evidente, pois, que a
cidade faz parte das coisas da natureza, que o homem é naturalmente um animal
político, destinado a viver em sociedade, e que, por instinto, e não porque
qualquer circunstância o inibe, deixa desfazer parte de uma cidade, é um ser
vil ou superior ao homem. Tal indivíduo merece, como disse Homero, a censura
cruel de ser um sem família, sem leis, sem lar. Porque ele é ávido de combates,
e, como as aves de rapina, incapaz de se submeter a qualquer obediência.
(...)
Na ordem da natureza, o
Estado se coloca antes da família e antes de cada indivíduo, pois que o todo
deve, forçosamente, ser colocado antes da parte. Erguei o todo; dele não ficará
mais nem pé nem mão, a não ser no nome, como se poderá dizer, por exemplo, uma
mão além do nome. Todas as coisas se definem pelas suas funções; e desde o
momento em que elas percam os seus característicos, já não se poderá dizer que
sejam as mesmas; apenas ficam compreendidas sob a mesma denominação. Evidentemente
o Estado está na ordem da natureza e antes do indivíduo; porque, se cada
indivíduo isolado não se basta a si mesmo, assim também se dará com as partes
em relação ao todo. Ora, aquele que não pode viver em sociedade, ou que nada
precisa por bastar-se a si próprio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um
deus."
Texto:
Aristóteles é enfático em sua
definição: é vetado ao ser humano viver fora da cidade, ou seja, fora de uma
sociedade organizada. Ao menos isso é vetado ao ser humano com todas as suas
características identificada por ele como sendo naturais. No entanto, ao invés
de firmar meramente a permanência dos seres humanos na cidade, pela
incapacidade da vida isolada ou pela necessidade de sobrevivência nesse
isolamento e, por isso, se associar aos outros. Ele põe como finalidade última
da cidade a vida feliz. Os seres humanos unem-se por necessitar sobreviver, mas
permanecem unidos em sociedade por desejar uma vida feliz. Essa felicidade não
se resume a uma felicidade individual, uma felicidade solitária, nem mesmo uma
felicidade solidária em que todos se empenha pela felicidade alheia. Trata-se
de identificar a felicidade como horizonte humano. Todos querem ser felizes e
somente poderão ser se viverem em sociedade.
Um dado interessante chama a atenção:
diferentemente do que se costuma pensar a relação dicotômica homem x natureza,
em que o ser humano a medida que foi se tornando social, foi se afastando do
ser natural entregue aos instintos, Aristóteles afirma que os seres humanos
vivem em sociedade por força da própria natureza e não contra ela, e mais, as
cidades existem naturalmente, precedendo os indivíduos. Isso soa muito
estranho, contudo, é preciso compreender o naturalismo aristotélico. Para ele
os elementos evoluem do mais simples para o mais complexo, até atingir o
perfeito, a plenitude; O todo precede necessariamente a parte; e a finalidade
última dos ser humanos é a vida feliz.
Ora, se a primeira associação
é a família; se a união de muitas famílias formaram as aldeias (kome); e o agrupamento
das aldeias, por fim, forma a cidade (polis) a mais elevada forma de
organização. Lembrando que as cidades na Grécia antiga eram verdadeiros
Estados, uma espécie de país, tendo suas próprias leis, costumes e organização.
Não basta, todavia, ser uma cidade por ser mais complexa, por reunir mais
indivíduos etc. É preciso que a cidade seja autárquica, em outras palavras, é
preciso que ela comande a si mesma, que não esteja submetida a outra ordem, a
outra cidade ou poder. A cidade perfeita constitui um ponto acabado,
confundindo-se com a sua própria natureza, e sendo o único lugar possível no
qual os seres humanos poderão realizar suas potencialidades, suas aptidões, talentos
e inclinações no objetivo máximo que é a felicidade.
Doravante não se findaram as
estranhezas. Aristóteles faz-se entender que o Estado tem primazia sobre os
indivíduos. O Estado é mais importante que os indivíduos e desse modo, seus
interesses vem primeiro. Se cada indivíduo deve buscar sua felicidade, ele deve
antes buscar a "felicidade" do Estado, sem o qual a sua vida feliz
não se realizará. Há então, um comprometimento com a cidade, com aquilo que é
público e por isso de todos. Não há neutralidade, não se pode escamotear seu
papel político que está em todas as instâncias da cidade, inclusive no
particular. A cidade é entendida por Aristóteles como um organismo em que cada
parte deve cumprir seu papel. As diferenças inerentes aos indivíduos não se
constituem num problema em si, numa impossibilidade de uma vida social, pois ao
passo que cada um trace seu caminho em busca da vida feliz, seja dedicando-se
aos ganhos financeiro ou ao trabalho, seja na vida reflexiva ou na vida
pública, todos deverão conviver de modo organizado, evitando o desajuste, a
barbárie, a tirania e a falência da cidade. Lembremos, é claro, que
diferentemente do postulado iluminista de igualdade, Aristóteles reconhece como
natural as diferenças entre os indivíduos. Naturalizados as distinções entre
cidadão e estrangeiro, entre homem e mulher e entre o senhor e o escravo.
Seja como for, Aristóteles
observará as leis como o principal mecanismo a garantir a organização das
cidades, e quão melhores forem as leis, menores as chances da corrupção e declínio
da cidade, não obstante, embora preferisse a aristocracia como melhor forma de
governo, ele reconhece outras formas como sendo válidas, desde que as leis
garantam o fim da cidade que é a realização das potencialidades humana e como
fim último a felicidade.
Mas uma coisa ainda fica em
aberto: será que de fato o ser humano necessariamente um animal político? Será
que lhe é vetado a vida fora da cidade? Bem, um monge eremita que se isola para
refletir e ter um contato com o divino, só pôde ser um monge eremita por ter
antes nascido e vivido em uma cidade. Ao se pensar em isolar-se logo percebe-se
que o ser humano não se basta. Carece de outros seres humanos e quando
organizados podem completar o que falta uns nos outros. A cidade perfeita é
aquela que não carece de nada e somente através dela os seres humanos são
pleno. É na cidade e pela cidade que o ser humano é humano.
Eis aí o maravilhoso ardil da
natureza. Fez dos seres humanos um animal como os outros animais, mas ao o lhe
impelir ao convívio uns com os outros, o transformou no único animal político.
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