Sobre a
introdução à história da filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831).
Composição:
Vinicius Alves Vieira.
Análise da
vida e da obra do autor por Henry Thomas e Dana Lee Thomas em Vidas de Grandes
Filósofos, Editora: Globo (Rio de Janeiro - Porto Alegre - São Paulo). Ano:
1965. :
“... Nada havia em seu procedimento ou em sua
aparência externa que o distinguisse. A essência de sua personalidade residia
em sua vida interior.
Jamais, por um momento, abandonara a
atitude mental da família de que descendia. Ao ponderar sobre os elementos
desconhecidos na equação da existência, não concluía sua investigação com o dar
de ombros dos cépticos. Porque não era como o inglês Locke nem como o escocês
Hume. O caráter alemão que nele havia, construíra uma filosofia da fé, e a
escrupulosa exatidão que herdara resultou na especulação metafísica mais
complicada que o mundo já vira. Era um funcionário público que trabalhava
arduamente nos escritórios administrativos da rotina oficial, sob a jurisdição
de um deus burocrático.
O mundo é inteligível, disse Hegel.
A razão encontra-se no âmago das coisas, sob a aparente falta de unidade, à
superfície. Os cépticos, como Hume, haviam lançado a dúvida no espírito dos
homens e criado uma atmosfera de cinismo que produzira aventureiros sem
escrúpulos, como Napoleão. Quando o homem perde a fé nos valores da vida
humana, a civilização retrocede. Porque a vida é um grande e sistemático
esquema da verdade. O homem pode compreender essa verdade através de suas
faculdades de raciocínio, mesmo que não a possa apreender por meio de suas
faculdades sensoriais. Em outras palavras, lança Hegel, diretamente, um desafio
a Hume. Afinal de contas, é possível ao homem conhecer as coisas além de sua
experiência através de sua razão. Há dois tipos de razão: a razão prática, que trata com os
problemas cotidianos e com objetos sensíveis que têm existência tangível, e a razão abstrata, que trata com ideias
além de nossa existência sensória.
E aí reside a dificuldade da questão
– a principal divergência entre cépticos e metafísicos. Afirmam os cépticos que
só existem as coisas que podemos apreender por intermédio dos sentidos. Os
metafísicos, por sua parte, insistem em que há coisas, além dos sentidos, que
têm uma existência igualmente real. Todas as nossas concepções não materiais –
declara Hegel – existem tão seguramente como uma mesa ou uma cadeira.
Consideremos,
por exemplo, a nossa concepção de quantidade.
Temos visto, já, dois lápis, mas nunca vimos a quantidade abstrata, dois.
E, no entanto, a concepção abstrata de dois existe na razão, tão seguramente
como os dois lápis concretos existem no espaço. Pois sem a existência de uma
medida abstrata de quantidade nunca seríamos capazes de distinguir as
quantidades concretas das coisas de que tratamos.
Há, por conseguinte, a razão pura em
oposição à razão prática – ou, para dizê-lo de outra maneira, existe uma
existência formal em oposição a uma
existência material. [...] Esta é a
proposição fundamental de Hegel. E sobre essa proposição, edifica ele a sua
estrutura filosófica. [...]”.
Introdução à História da Filosofia, por Hegel:
Na tentativa de sintetizar um pensamento
complexo, pois requer, para mínima compreensão, uma incursão no desenvolvimento
histórico do próprio conceito de filosofia, Hegel tenta expor nas duas
introduções que faz do livro, as relações mais básicas e necessárias para
alcançar e compreender “como pelo estudo da história desta ciência somos
iniciados no conhecimento da própria ciência”. Seguiremos analisando e comentando
os trechos que nos parecem mais relevantes para que possamos
iniciarmo-nos, junto com o autor, em um
só tempo o estudo da história da filosofia e o filosofar propriamente dito. A
história da ciência filosófica e a ciência filosófica aplicada.
Começamos com o seguinte trecho:
“A história
da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da
razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência
das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim
com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional”.
(Segundo parágrafo da segunda introdução à introdução da história da
filosofia).
É assim que Hegel define o que representa a
História da Filosofia. É dessa maneira também que um dos grandes devotos do
Espírito se posiciona em relação ao que considera o mais relevante numa
história (neste caso, a da filosofia), “visto
que a história dum assunto está intimamente conexa com a concepção que dela se
faça”.
“O patrimônio
da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu
só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais
propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano”.
Hegel
percebe toda a produção do homem ao longo dos tempos na história como a herança
que se recebe das gerações que nos antecederam, ou seja, “as artes da vida externa, o complexo de meios, de habilidades, de
instituições e de hábitos no convívio social e na vida política” nada mais
são que “o resultado da meditação e da
invenção, das privações, ou de acidentes da sorte, da necessidade e da perícia,
do querer e do poder da história na sua evolução até o presente atual”.
Conclui o pensador que, “se alguma coisa
somos no domínio da ciência e da filosofia, devemo-lo à tradição”.
Não quer deste modo dizer o espírito pensante
de Hegel que se deve manter a tradição como uma “estátua de pedra” que se conserva, mas sim o contrário, a tradição
é herança viva que “continuamente se vai
enriquecendo com novas contribuições, à maneira de rio que engrossa o caudal à
medida que se afasta da nascente”. Ao mesmo tempo em que tal herança pode
simplesmente degradar-se e chegar ao ponto de “servir de matéria para ser transformada e elaborada pelo espírito.
Desta maneira se vai modificando o patrimônio herdado, e simultaneamente se
enriquece e conserva o material elaborado”.
Hegel considera o conteúdo da tradição a
própria forma de tudo o que o mundo
espiritual produziu. E o espírito universal nunca permanece estacionário. “Ora, é do espírito universal que nos devemos
ocupar aqui”. Assevera o autor. “A
recepção desta herança equivale ao exercício da posse dela”. Nossa função
será compreender a ciência existente, “modelar
por ela nossa inteligência, e desse modo desenvolvê-la, elevá-la a um grau
superior”. O mundo espiritual preexistente, produto de outros homens,
nossos ancestrais, será sempre a base de onde partiremos e desenvolveremos
nossa filosofia, futuro produto. Daí se segue que “o curso da história mostra, não o devir de coisas a nós estranhas, mas
sim o nosso devir, o devir do nosso saber”.
Da natureza dessa relação entre a história da
filosofia e a ciência filosófica dependem as ideias e os problemas que se podem
propor relativos ao âmbito da história da filosofia. “Compreender devidamente esta relação permite alcançar como pelo estudo
da história desta ciência somos iniciados no conhecimento da própria ciência”.
E convém lembrar: “Este devir não é
simplesmente um movimento passivo como imaginamos que seja o nascer do sol e da
lua, movimento que se efetua sem contrariedade no espaço e no tempo. O que
devemos representar ao espírito é a atividade do pensamento livre; devemos
representar a história do mundo no pensamento, o processo do seu nascimento e
produção”.
O que nos torna mais nobre que outros
animais?
“Segundo
uma antiga opinião, a faculdade de pensar é o que separa os homens dos brutos.
Aceitamo-la como verdadeira. O que o homem possui de mais nobre do que o
animal, possui-o graças ao pensamento: tudo quanto é humano, de qualquer forma
que se manifeste, é-o na medida em que o pensamento age ou agiu. Mas sendo o
pensamento o essencial, o substancial, o efeitual, dirige-se a objetos muito
variados; pelo que importa considerar como mais perfeito o pensamento voltado
sobre si mesmo, ou seja, sobre o objeto mais nobre que pode buscar e encontrar”.
Hegel segue retificando seus argumentos
fundamentais para representar uma história da filosofia, o que não é um
processo simples e estático, mas complexo e dinâmico que envolve uma (des)construção
de miríades conceituais. Elaborando uma teoria conceitual que visa clarear os usos
possíveis e ao mesmo tempo justificar os usos dos conceitos [como: filosofia,
história, espírito, ideia, forma, concreto e etc.] que considera necessários ao
uso e apreensão do seu próprio conceito de história da filosofia, preocupa-se
em validar sob a forma lógica o seu argumento ao propor teoricamente a
experiência de pensamento de seu sistema metafísico da unidade, verdade e eternidade. Sua história da filosofia se
faz antes pelo modo que se concebe a história e a filosofia.
Encontros no tempo (ano de 1816 no séc. XIX)
marcados de discussões, discussões que necessitaram algumas horas de exposição
e outras muitas horas de meditação em outros espaços-tempo... Novos encontros
em tempo e espaço, retomada e progressão das discussões que necessitariam também
novas meditações, e assim sucessivamente, as comunicações proferidas na
universidade de Heidelberg constituiriam o conteúdo
e o objeto que se materializaram em
pouco menos de cem páginas, em forma de
livro: Introdução à História da Filosofia, de Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
[janela de outras obras do autor: filosofia
da lógica, da natureza, fenomenologia do espírito, etc...].
Proposta de
Atividades alternativas para pensar o tema:
Filmes (pensar ou copiar sinopses):
- O Mundo de Sofia.
- Sócrates, o filme.
-Santo
Agostinho, o filme.
Questões interativas:
1- Se fosse
preciso (situação hipotética) assumir a posição de Hegel ao considerar numa
história “a série dos espíritos nobres, a
galeria dos heróis da razão...”, quais nomes apareceriam para representar
sua história da filosofia? Fundamente suas escolhas com base nos valores e nos
princípios necessários para iniciar a sua história da filosofia, ou seja, como
você se posiciona em relação ao que considera o mais relevante em sua história:
“visto que a história dum assunto está
intimamente ligada com a concepção que dela se faça”.
2- Sobre as
gerações passadas... Podemos pensar a partir do ponto de vista exposto por
Hegel, que as gerações de seres humanos que hoje vivem, são parentes físicos e
espirituais de todas as gerações que lhes antecederam, e de fato, são. De
acordo com sua interpretação das passagens expostas no texto, marque as
alternativas que mais parecem estar de acordo ao modo como você lida com as
filosofias e as ciências produzidas por estes parentes distantes no espaço e no
tempo:
( )
“(...) A posição e a função de nossa idade, como aliás de todas as idades:
compreender a ciência existente, modelar por ela a nossa inteligência, e desse
modo desenvolvê-la, elevá-la a um grau superior (...)” (Hegel)
( )
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