1 – O Movimento Sofista
Surgido por volta do ano V a.e.c, tendo
intitulado como propulsor, Protágoras,
o movimento sofista vem como resposta abrupta às ideias precedentes, a saber, as
construções dos pré-socráticos, ou filósofos da natureza.
Os filósofos da natureza tinham como norte de
seus pensamentos a busca pela “physis”, a natureza das coisas as quais tratavam, as coisas se
diziam em relação a esta natureza,
que é previamente
existente ao objeto, e era trabalho do filósofo tentar apreender esta natureza.
A Sofística surge num momento em que o
discurso que procura a fundamentação das coisas, parece já ter usado de todas as armas e munições disponíveis para defender-se e progredir.
Coincidindo também com o estabelecimento do regime
democrático, o discurso dos
sofistas, não mais se preocupa
com questões ontológicas, mas sim com o homem, aqui o
homem é o centro do
discurso. Por esta razão, o movimento sofista casou-se tão bem com a democracia, ou seja, um
regime onde não há uma vontade soberana, a vontade do
coletivo é a que deve ser
seguida, em resumo, um regime, que assim como a sofística, tem o homem como seu principal
objeto.
O que pretendiam então os sofistas? Os sofistas foram os
primeiros professores, se assim se pode dizer, tal qual nós os concebemos hoje. Eles eram pagos para
ensinar, e seu objeto de ensino era a virtude, ensinada por meio da retórica, chamada de arte do discurso.
Afirmar que a virtude é algo passível de ser ensinado vai de encontro ao
modelo aristocrata, anterior à democracia, onde a virtude era privilégio dos bem nascidos, não somente de posses (embora estes
pudessem ser também pessoas de posse), mas, sobretudo de sangue, pois, bastava
que se pudesse pagar para aprender, logo, a virtude não era mais uma questão de nascimento, qualquer um que
pudesse dispor de seu tempo, e eventualmente, de seu dinheiro, poderia com os
sofistas aprender a ser virtuoso.
E qual seria então a utilidade de tais ensinamentos? No
regime de democracia direta, como era o que vigorava em Atenas, onde se
concentrava a maior quantidade de sofistas, a arte do bem falar era de grande
utilidade para as assembleias, que poderíamos exemplificar como sendo um campo
de batalha, onde os combatentes eram os discursos, e obviamente, o discurso
mais forte, ganharia vantagem, ou até mesmo a batalha.
Então, como os sofistas dominavam os
discursos, muitos passaram a pagá-los, visando o uso em assembleia, da virtude aprendida com
eles.
As críticas aos sofistas não tardaram a chegar, uma vez que, eles
eram em sua maioria estrangeiros, e menos dignos de confiança por parte dos atenienses. Além disso, tinha-se a constante preocupação com o surgimento de falsos demagogos,
ou seja, aqueles os quais não interessavam a validade, ou justiça do discurso, mas somente o ganho do
poder de decisão, e que para tal fim
se valeriam dos ensinamentos dados pelos sofistas.
Neste ponto se faz importante salientar
que os sofistas possuem uma visão relativista, ou seja, não existe uma verdade absoluta, não existe o certo em si, mas tudo é uma questão interpretativa, um jogo de situações, nada é estático e pronto, qualquer argumento pode
receber refutação, basta que se olhe
por outro prisma.
Tal posicionamento é claramente uma ameaça a um regime governamental qualquer
que seja, e permitir que os alunos dos sofistas façam parte da assembleia era um risco
muito grande, pois estes poderiam estar ocupados em pensar somente no ganho da
batalha dos discursos, sem se preocupar com a veracidade dos mesmos, ou até mesmo sem acreditar que possa existir
uma verdade a ser seguida, um bom direcionamento do qual não se deve desviar o governo de uma
cidade.
Em contra partida, existem também rompimentos positivamente
significativos feitos pelos sofistas, pois neste momento passa-se a ter uma
preocupação muito maior com o
homem e os objetos que circundam suas vidas, como a moral, a ética, a política, e todos os assuntos concernentes
a nós e nossa meio de
convívio. Além disso, vale relembrar a quebra do
regime aristocrata, onde só era considerado virtuoso quem nascia com essa marca em seu
sangue.
2
– Protágoras de Abdera: vida e obra.
Tratar da vida e obra de Protágoras não é assunto fácil, pois tanto sua vida, como seu
pensamento, não se mostram com
facilidade, e mesmo acerca das coisas mais triviais, como a data de seu
nascimento, filiação e cidade natal, não há comum acordo.
Acredita-se que tenha nascido no ano de
486 a.e.c, segundo Diógenes Laércio, era filho de Artemón, porém, há quem não concorde; Apolodoro afirma que Protágoras seja filho de Meandrio, e sobre
isso não há um comum acordo entre os
historiadores.
Quanto ao lugar onde nasceu parece
haver uma maior concordância, afirmam ser Protágoras natural de Abdera. Contudo,
Eupolis, um comediógrafo afirma que Protágoras seja natural de Teos, porém, esta não parece ser uma definição acertada, apesar de plausível, uma vez que Abdera foi fundada por
jônios de Teos, quando tiveram de
abandonar Teos por conta das guerras médias.
Como muitos filósofos da época, foi para Atenas, e para esta
afirmação tem-se fontes que
comprovam sua estadia, como Platão em seu diálogo sobre Protágoras, e o já citado Eupolis, em uma de suas comédias.
Sua fama atingiu níveis altíssimos, foi citado por diversos
autores, e até mesmo Platão admitiu o reconhecimento que Protágoras havia recebido.
No ano de 443 a.e.c, quando tinha cerca
de 40 anos, lhe foi encomendada a feitura das leis da cidade de Thurii, e como é sabida, a encomenda das legislações das novas colônias eram feitas a homens de alta
estima e extraordinária fama.
Em Atenas conviveu com Péricles, e é inegável a influência que a política tem nas problemáticas levantadas por Protágoras.
Conviveu também com outros célebres sofistas como Górgias, Hippias e Pródico, com os quais intercambiou ideias,
e claro, influenciou e foi influenciado.
Em seu livro “Sobre os deuses” o agnosticismo fortemente demonstrado
já nas primeiras
linhas, foi de encontro com o pensamento ateniense, que se voltou contra ele.
Acusado de agnosticismo (palavra não existente na época, traduzida por “impiedade”), segundo Diógenes Laércio por Pitidoro, e segundo Aristóteles por Evatlo.
Considerado culpado, condenado ao exílio, e a ter seus livros queimados em
praça pública, o caso de Protágoras mostra, como mesmo a Grécia com seu modelo de democracia e de
liberdade dos discursos ainda haviam questões a resolver.
Embarcou para Cecília em cumprimento de sua ordem de exílio, porém, morreu no naufrágio do navio, uns dizem que aos noventa
anos de idade, outros afirmam ter sido aos setenta.
Acredita-se que se perdeu uma obra
bastante extensa com a queima dos livros de Protágoras, segundo relatos de Diógenes Laércio, em sua época havia cerca de 12 obras.
Porém essa contagem tem alguns problemas,
por não incluir duas de
suas principais obras, “A verdade” e “Sobre os deuses”, alguns acreditam que isso se deve ao fato de essas já estarem perdidas na época de Diógenes, outros, acreditam que na
realidade essa enumeração corresponde somente a divisões de uma só obra “As Antilogias”.
Seja qual for a interpretação correta, certo é que tudo o que se tinha de Protágoras foi perdido, restando somente
fragmentos citados por autores posteriores a ele, e referências a suas doutrinas.
3 – Fragmento
“ O homem é a medida de todas as coisas, das que são, que elas são, das que não são, que elas não são.”
4 – Comentário
Faz-se necessário destacar o fato de que Protágoras compartilhava de uma visão de realidade Heraclítica, ou seja, a realidade é concebida como algo que está em constante movimento.
E ao estar compreendido nessa
realidade, tanto os objetos do conhecimento como os próprios sujeitos que conhecem estão se movendo, e este mover-se perpétuo inviabiliza verdades imutáveis, universais e necessárias.
Diante desta concepção de realidade, que nega a existência de verdades absolutas, como é possível que se dê o conhecimento?
A tese do homem-medida vem como
resposta a esta questão, como via condutora ao conhecimento.
De que forma? Afirmando que
conhecimento não é mais do que percepção, ou seja, dentro deste fluxo
conhece-se o que se nos mostra aos sentidos, e no momento em que se mostra.
Por exemplo, quando ao encostar nossa mão em uma garrafa que estava na
geladeira, começamos a sentir frio, isso se deve ao fato de que a sensação de frio é gerada através da relação entre, por um lado, o objeto (a
garrafa) e, por outro lado, nossa mão. A mão e o objeto fazem parte do devir, isto
é, não são imóveis. A sensação que a mão tem do objeto e a frieza do próprio objeto são dois gêmeos que nascem e morrem um com o outro.
Parece neste momento, que ao ter o contato com o objeto,
obtenho a verdade sobre a condição do mesmo, no caso da garrafa, a frieza, porém, engana-se quem escolhe este caminho,
o que na realidade acontece, é que pode-se dizer sobre a frieza da garrafa somente naquele
momento, pois fora dele, sem o contato, não há como saber se ela é ou não fria, por estar dentro do fluxo,
movendo-se, sendo outra a todo momento, e por este motivo é dito, que a sensação que a mão tem do objeto e a frieza do próprio objeto são dois gêmeos que nascem e morrem um com o
outro.
E o que dizer então, se Paulo e Ana resolvem, ao mesmo tempo, tocar a mesma
garrafa, e Paulo não a sente fria, enquanto Ana, sim?
Isso se dá, pois, não somente a garrafa está imersa na correnteza, que é a realidade, mas também os indivíduos Paulo e Ana, fazendo assim, com
que cada um deles tenha disposições diferentes, resultando em conclusões diferentes a cerca do mesmo objeto,
não podendo assim haver
um juízo comum sobre as
coisas.
E sobre aquelas coisas que não se mostram aos nossos sentidos? Sobre
essas coisas, nada podemos afirmar, é o caso, por exemplo, dos deuses, para Protágoras, é impossível que se possa afirmar a existência deles, pois, não há nada no campo do sensível que nos comprove tal existência.
Em resumo, a tese do homem-medida parece dizer que o
conhecimento, portanto, seria o produto do encontro efêmero entre um dos nossos sentidos e
algum elemento transitório no fluxo universal, ou o devir, e fora deste contato não é possível que se conheça nada.
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