A IMPORTÂNCIA
DE MAQUIAVEL
Juliana Resende
1 – A vida de Nicolau Maquiavel:
Nascido em
Florença no dia 3 de maio de 1469, Nicolau Maquiavel pertencia à alta burguesia
florentina. Filho de advogado, recebeu do pai razoável educação nas chamadas
ciências humanas, tão ao gosto do Renascimento, fato que explica sua profunda
familiaridade com a história greco-romana. A partir de uma formação
privilegiada, com 29 anos Maquiavel começa a exercer um cargo público de
destaque, como Secretário da Segunda Chancelaria do Estado.
Até
1513, data da volta dos Médicis à Florença, Maquiavel trabalhou na
administração do Estado, onde adquiriu não só familiaridade com o funcionamento
do jogo político, como também buscou compor uma milícia nacional, que liberasse
Florença da incômoda necessidade dos mercenários, que com suas tropas
infestavam todo o território italiano.
Conforme dissemos,
Maquiavel viveu num período especialíssimo da cultura ocidental, denominado de
Renascença, que consistiu num vigoroso movimento cultural de retorno aos
filósofos gregos e romanos. Quer dizer, lembremo-nos que o impulso a
antiguidade não se deu apenas, como é mais frequentemente lembrado, no campo
das artes plásticas, implicando também em completa reformulação da própria
visão de mundo do homem europeu. Ora, a crítica a visão de mundo medieval
trazia implícito um movimento de cansaço e desencanto para com as antigas
compreensões do homem e da política, fato este que suscitou importantes
mudanças, como vemos com Maquiavel.
2 – A busca pela verdade efetiva das
coisas:
A questão
principal para Maquiavel se encontra na ruptura que o autor traz no que diz
respeito a política e a moral, isto é, Maquiavel rompe com a noção de que toda
ação deve levar em consideração a moralidade que tomamos. Vale dizer, em outras
palavras, que o agir político não está subordinada a questões éticas, daí a
própria ideia da busca pela verdade efetiva das coisas.
Com isso,
podemos identificar o primeiro ponto de ruptura relevante entre o pensamento de
Maquiavel e a tradição intelectual existente até então. Com efeito, ao
restringir-se somente ao exame dos fatos concretos, realmente observáveis na
ação política, seja na Itália renascentista, seja no atual cenário político
brasileiro, Maquiavel busca analisar de maneira objetiva como se dá o jogo
político.
Poder-se dizer,
portanto, que Maquiavel adota um procedimento quase cientifico, no sentido de
que, através da observação dos atores políticos de seu tempo, ele expõe como
funciona o jogo político. É claro, contudo, que o simples cálculo racional não
é suficiente, por si só, para caracterizar o funcionamento do Estado maquiaveliano.
Se é que
podemos resumir sua obra, o mérito de Maquiavel encontra-se na maneira como ele
concebe o Estado; quer dizer, o ponto central parte da ideia da completa
autonomia do Estado, tanto no plano externo, quanto no plano interno, de
maneira que a busca pela estabilidade política não encontre obstáculos de ordem
ética ou de qualquer espécie para sua realização plena.
A questão da
autonomia do Estado e da política, se encarada pelo viés de Maquiavel, nos
remeteria à prioridade da política sobre a moral, isto é, que o Estado, por sua
própria natureza, não pode se vir impedido por quaisquer considerações de
natureza ética, seja no plano internacional ou nacional, sob pena de sacrificar
a tão almejada estabilidade política. O objetivo primordial do Estado deverá,
portanto, pautar-se apenas pelo cálculo racional, despido de qualquer ideia de
moralidade.
Mas uma vez reconhecido a
importância da ação política no Estado, aonde tal consideração nos levaria? Ou
seja, até onde pode o Estado quando o assunto é a estabilidade política? Um
indício de resposta para tal questão encontra-se no capítulo XV do “Príncipe”,
no qual o autor nos fala sobre a maneira como devem os príncipes manter a
palavra dada.
Para Maquiavel,
a justificação torna-se desnecessária quando estamos falando nos interesses do
Estado, mostrando-se apenas um problema quando comparamos a racionalidade
expressa em sua obra, mais especificamente O
Príncipe, com alguma convicção moral, ética ou religiosa. Em Maquiavel, a
ideia de Estado parece carregar um fim em si mesmo, onde o objetivo a ser
atingido consiste em sua preservação e continuidade.
Na verdade, ao
restringir-se ao exame dos fatos concretos, analisando-os de maneira objetiva,
a partir da experiência da coisa moderna,
associada a assídua lição dos antigos, Maquiavel percebe que uma sociedade
totalmente imersa na paz é talvez a ficção de mentes utópicas e não o espelho
da natureza humana.
Nesse sentido,
a novidade não é apenas a afirmação da maldade humana, mas sim a afirmação de
que a natureza humana não é o maior dos empecilhos para criação de instituições
boas. Para Maquiavel, o direito faz parte da herança humana e o Estado é a
representação da vontade coletiva, de modo que sua função é a de proteger as
leis, que, por sua vez, devem proteger os interesses da coletividade.
Ao pensar a
cisão entre moral e política, Maquiavel não propõe que toda sorte de maldades
possa ser usada por políticos, como vemos no Brasil ou mais especificamente no
Rio de Janeiro. A estabilidade do Estado precisa que os políticos ajam
ocasioanalmente de maneira ‘‘maldosa’’, mas isto não pode ser uma regra para
ação política. Resta saber, é claro, até que ponto os políticos (príncipes)
podem agir. Maquiavel, contudo, não busca responder a esse tipo de indagação, mas
propõe uma separação entre a ação política e a moral, daí a importância do
trecho no qual ele expõe de maneira clara o seu projeto filosófico:
Capítulo XV –
As qualidades pelas quais os homens, sobretudo os príncipes, são louvados ou
vituperados.
“1. Resta
examinar como deve um príncipe tratar os seus súditos ou aos seus amigos. Como
sei que muitos escreveram sobre este assunto, creio que serei considerado
presunçoso, sobretudo porque discordei da opinião dos outros. Mas como tenho a
intenção de escrever algo útil para quem a queira entender, pareceu-me
conveniente ir atrás da verdade efetiva da coisa, em vez da imaginação. Muitos
imaginaram repúblicas e principados que nunca se viu nem se soube que fossem
verdadeiros por serem tão diversos de como se vive para como se deveria viver.
Aquele que deixa o que se faz pelo que se deveria fazer aprende a se arruinar
em vez de se preservar. Pois o homem que queira professar o bem por toda parte
é natural que se arruine entre tantos que não são bons. Para um príncipe é
necessário, querendo se manter, aprender a poder ser não bom e usar ou não usar
isso, conforme precisar.
2. Deixando de
lado as fantasias sobre um príncipe e discorrendo sobre a realidade, digo que
todos os homens, sobretudo os príncipes, por estarem em um nível mais alto, são
notados por algumas qualidades que lhe acarretam censura ou louvor. Há quem
seja considerado generoso, outro miserável; um capaz de doar, outro roubar; um
cruel, outro piedoso; um traidor, outro fiel; um humano, outro soberbo; um
lascivo, outro casto; um franco, outro astuto; um rigoroso, outro benevolente;
um severo, outro superficial; um religioso, outro incrédulo; e assim por
diante.
3. Sei que
todos confessarão que seria extremamente louvável para um príncipe possuir, de
todas as qualidades acima descritas, as que são consideradas boas. Mas como
todas não se podem ter nem observá-las por completo, pois a condição humana não
o permite, é necessário ser prudente e saber fugir à infâmia dos vícios que
podem lhe tirar o Estado. É prudente evitar também os que não lhe tirariam, se
fosse possível, do contrário, pode-se entregar a eles sem muito temor. O
príncipe não deve se importar com com se expor à infâmia dos vícios sem os
quais seria difícil salvar o poder. Porque, considerando-se bem tudo, há coisas
que parecem virtude e acarretam a ruína, outras que parecem vício e, com elas,
obtêm-se a segurança e o bem-estar.” (Maquiavel, Nicolau/ O príncipe, pág 77,
78)
Forma de avaliação:
A partir do
texto lido em sala e da exposição oral das ideias de Maquiavel em “O
príncipe.”; propor aos alunos que façam uma espécie de tribunal, dividindo a
turma em dois grupos onde um grupo ficaria responsável pela defesa do uso das
armas (violência) a partir do poder do Estado; e o outro grupo ficaria
responsável pela acusação do mesmo. O intuito da atividade/dinâmica não é
necessariamente que haja um grupo vencedor, e sim a partir da observação do
professor perceber se os alunos argumentarão de acordo com as ideias expostas
em sala de aula fazendo sempre uma ponte com atuais acontecimentos e se
utilizando de exemplos cotidianos para dar melhor ênfase ao assunto tratado em
aula.
Indicação de filmes/séries de Tv/música -
Séries de Tv: Os Bórgias – A série é baseada na história da Família
Bórgia, uma dinastia italiana e origem espanhola, que se tornou proeminente
durante o Renascimento e que geralmente é lembrada pelo governo corrupto e pela
acusação de ter cometido vários crime, incluindo adultério, roubo, estupro,
corrupção, incesto e assassinato (especialmente por envenenamento).
Músicas: Chico Buarque, Cálice (Que remete a questão da
ditadura no Brasil entre 1964 a 1988).
Referencias bibliográficas:
DUVERNOY, J. F. Para compreender o pensamento de
Maquiavel. Tradução de Suely Campos. Porto Alegre: L&PM Editores
Ltda, 1984.
GARIN, Eugenio. Ciência e vida civil no
Renascimento italiano; tradução de Cecília Prada. – São Paulo: Editora
da Universidade Estadual Paulista, 1996.
MAQUIAVEL, Nicolau. O
Príncipe; tradução: Maria Lucia Cumo. – Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996. – (Coleção leitura)
Juliana Resende, discente do
curso de licenciatura em Filosofia da UFRRJ.
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